quinta-feira, 20 de outubro de 2016

ERA AMOR, HOJE É ROLHA!

Tantos pensamentos abundam minha mente. Noite frívola e de total inquietação. 
Lembro-me de minhas últimas palavras em uma conversa no fim de noite: " Não consigo na verdade separar com clareza o que é passado e o que é presente em minha vida. Sou acumulador de momentos!" Tal afirmação trouxe-me pesarosa constatação, a de que sou isso mesmo, um mero colecionador de histórias, plano de fundo de minha existência.

Tenho comigo todos os bons, os medíocres e os piores acontecimentos que me fizeram e fazem ser o  que sou. Nessa toada, parecem se esvair qualquer possibilidade de esquecimento. Juro que tentei, mas não deu.

Pergunto se você já tentou abrir uma garrafa de vinho sem abridor. Garanto que quem já tentou, sistematicamente acabou optando pelo tradicional "afundamento de rolha".  Sim, ao invés de removê-la com grande pressão, o que se faz é afundá-la garrafa à dentro, e garantir a passagem do liquido tão estimado. Contudo, mesmo presa dentro da garrafa, a rolha poderá interromper o fluxo do vinho. Digo mais, nem mesmo depois da extração total da bebida, a pobre rolha haverá de sair do cabalouço de sua terrível sina. Condenada estará a permanecer em um lugar que não o seu, mas que de certa forma também o seu. 

Rolha afundada jamais poderá ser resgatada. O preço disso seria a quebra da garrafa.

Quem nunca se sentiu entupido em seu interior, introjetando um desejo não mais útil para ver escoar em si mesmo o seu melhor.

Pergunto, quem nunca na vida, já se engasgou com palavras não ditas, engolidas a duras penas a fim de manter seu equilíbrio, característica de valor?
Daí depois de bebida a garrafa, já na inquietude do vazio, a gente pergunta: Como arrancar esta rolha maldita? Entulho da alma.

Sinto-me assim, com uma rolha afundada dentro do coração. 
A missão foi cumprida eu sei. Dei conta, haleluiah!
Mas o que eu faço com o "nada" que sobrou? Ademais, uma rolha presa dentro da gente sempre trará alarde para o desfecho que nos foi impróprio. 

Culpa dos abridores escassos? Da impetuosa sede por um gole? Da forma grosseira de se resolver o que se apresenta sem solução? Eu não sei, e já nem importa saber...

Rolha seca, manchada pelo caldo da alegria. Rolha dura, garantidora da permanência sagrada.  Rolha sóbria, de recusa ao descarte. O que viria tu a ser? 

Antes Deus me quebre e arranque o que não tem mais propósito de dentro de mim. Do contrário seguiria roto, entupido em duas direções.

4 comentários:

  1. Adorei o texto/desabafo, este vazio incomoda muitos.

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    1. +Wanderson Farias, obrigado por seu comentário. De fato, as palavras não ditas são as que mais fazem estragos. Agradeço a internet pelo espaço que nos confere de desabafo que possibilite aos outros compartilhar desta mesma angustia. Volte sempre!

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  2. Noite calma por aqui,,,então resolvei reler o texto que me fez refletir nos últimos dias..incessantemente.
    Esse sem duvida algum é o texto mais marcante que tive o prazer de te ver fazer. Você traduziu em palavras perfeitas o mais profundo dos sentimentos que alguém pode sentir.Quem nunca né msm? Bom...na minha humilde opinião...penso que não seja necessário quebrar a garrafa...pois tenho plena convicção que em breve a rolha que está presa no fundo dela vai enfim se despedaçar e tudo, absolutamente tudo ganhara nova razão de ser.O novo fará ate o sabor do vinho ser verdadeiramente saboroso e sobretudo um sabor real, sem tantos "mimimis"...
    Enfim....parabéns pela sabedoria, pela profundidade e pela ilustre analogia que aqui apresentastes.
    S2 !!!

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    1. Opinião de uma das leitoras mais conceituadas que tenho; personagem coadjuvante em alguns textos. Obrigado pela consideração. Você sabe o quanto meu desejo era que esta rolha voltasse ao lugar de origem, conservando o velho e bom liquido. Mas enfim, os ventos continuam soprando aqui e ali, pra mim e pra você também. Um bjo

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