terça-feira, 10 de março de 2015

ELE, ELA E O FUNERAL PEDAGÓGICO - UM ENSAIO SOBRE O AMOR E A VIDA

Ele um sonhador, aventureiro... Ela um projeto, indeterminado, pulsante...
Se cruzaram por intermédio de amigos incomuns, um tanto sonhadores e pulsantes. 

Ele estava a procura de um amor que complementasse sua fase de colheitas existenciais, já ela, a procura de um espaço para voltar a acreditar no tal amor e no seu poder curativo. 


Não combinavam em quase nada: ela do riso fácil, largo e alto, ele da postura militar, de poucas palavras e muitas assertividades. Em suma: ele um chato disposto a amar, ela uma menina linda ferida pelo que pensou ser amor.


Isso tudo acontecia em uma época em que as pessoas não viviam só pelo dinheiro ou status. Por isso, era mais fácil juntar os amigos, celebrar as noites de sábado, levar mais vida para os apartamentos tão quietos.

Naquela época não se ganhava dinheiro, nem se trocava grandes pessoas por ele. Naquela época, éramos cercados de gente firme que se importava com a nossa vida e história, cada qual a sua maneira, estando perto ou nem tão perto assim.
Naquele tempo, a fama era construída pela postura, e as pessoas cantavam a uma só voz acerca de um amor libertador.
Não rara as vezes em que se esperava bem mais do que podia se oferecer, mas mesmo assim, estávamos ligados por uma espécie de identificação, respeito e admiração que sempre nos impulsionava a seguir adiante, e de preferência acompanhados.

Foi nesse tempo que ele a encontrou. Ela não possuia um olhar de ressaca, aliás, acho que ela nem sabia o que era isso. Pertencia a outro universo.
Ele não sabia também que a amaria, mas nenhuma premeditação haveria de fazer sentido em uma época em que se valorizava muito mais o que se vivia no presente.

Pois bem, quando ele falou, ela ouviu, quando ela sorriu, ele a notou. E assim, quando ele se pegou pensando nela durante o trabalho e ela  achando sua falta na reunião como os amigos, se deram conta de que uma parte de si havia entrado dentro do outro e que a partir de então, deveriam fazer todos os esforços para reajuntarem as partes. 
Sairam, sorriram, conversaram e diferentemente da maioria dos casais, não se encontraram um um "primeiro beijo", se encontraram em um primeiro abraço. Ele sentindo o calor dela, o cheiro dos cabelos, a segurança de estar em um lugar do qual em toda sua vida, jamais iria querer sair. Ela ofegante, ela preocupada, ela com medo de se render a uma incerta... outra vez!

E agora? Perguntou ele. Agora eu não sei. Respondeu ela.
O que vem após um abraço? Questionou ele (aliás, tal comportamento o seguiria por toda a vida). Não fala. Retrucou ela.

Ele sabia que aquele momento seria crucial na sua mania de viver durante vinte e quatro horas. Se ele a beijasse, demonstraria que já a amava. Se não a beijasse, a cena deixaria claro que não haveria nada mais além da amizade. Isso que para ele não havia garantias de que ela o aceitaria, haja vista conhecer o seu sofrer.

Mas o amor tem disso, se apresenta em circunstancias muito particulares. Tanto que não são todos os que o notam. 

O amor pode estar em baixo de uma pilha de papel, dentro de um escritório monótono e um dia de poucas palavras.
O amor pode estar estacionado na via, em baixo de uma janela que dá vista ao horizonte.
O amor pode estar em simples palavras, dessas que fazem as pessoas pararem por alguns instantes e quase se esquecerem o quanto pode ser duro viver.

O amor estava ali, e os fez se entregarem em um abraço que virou beijo, que virou vida que virou cumplicidade.

Mas o tempo não para e sua ordem não media conceitos nem se dobra diante de justificativas. O tempo mudou. As pessoas mudaram.

Ele ingressou na faculdade, se formou e hoje estuda em que área atuar. Ela também se formou em um período de grandes turbulências e perdas e hoje lida com o que sobrou das baixas que sofreu tanto fora quanto dentro de si.

Até onde ele sabe, hoje ela se projeta como sonhadora, aventureira. Vive por um momento que não o presente. Acredita bem mais no valor das coisas. Já ele se tornou um projeto indeterminado e pulsante. Não quer mais ver a vida como ela se apresenta.

Dia desses eles se cruzaram, em um velório. Ele havia ido ver um amigo da família morto por algum motivo. Ela havia ido até lá na certeza de o encontrar.

Rafa. Chamou ela quando o viu. Oi, você por aqui? respondeu surpreso.
Precisamos conversar. Sim, mas primeiro preciso ir até o encontro de minha família.

Sua família está aqui. Disse ela apontando para o ventre. Ele então parou.
É isso, estou grávida. Mas como pode? inconformou ele permitindo passar em sua mente um filme de todos os bons momentos que viveram juntos e o quanto a eminência de um filho, àquelas épocas, o atormentavam.

Em meio ao ambiente de luto que se encontrava, sentiu uma espécie de alegria por incutir naquela notícia, a possibilidade de manter ela que era a mulher da sua vida, para sempre ao seu lado.

Ele percebeu ali, o fim daquele resto de sua vida que havia se instalado desde o término do relacionamento. Percebeu a chegada de um novo tempo de possibilidades e de afeto. Sentiu naquele momento de poderia ser algo além daquele ser do qual já não queria mais.

Mesmo assim, ainda adentrou naquele ambiente onde achou sua família a beira do morto, que para o seu espanto era o seu irmão. Ninguém havia lhe contado. Uma surpresa mais que indesejável. Aquele era um dos irmãos mais velhos e era a representação da lei para a família.

Naquele momento ele se deu conta de que seria a sua própria representação da ordem, e que , talvez, haveria de ser necessário o falecimento da lei que conhecia para o nascimento da esperança. Entendeu por ele mesmo o que a cena lhe propunha: Sem a morte da razão, não haveria de tomar conhecimento do glorioso fruto do amor.

Naquele instante ele decidiu nunca mais deixar passar as oportunidades que a vida lhe concede.

Entendeu que a sua vida, é a sua vida, muito efêmera para ser vivida apenas nos momentos de encontro e reencontro.

Ele viu que a vida é plena e não flui em uma linearidade a que se pretende.

Ali, em um velório, ele teve um grande aprendizado: De que as pessoas são o que são e que as oportunidades nascem e morrem em uma mesma história e não isentam ninguém das duas responsabilidades.

E assim, ele acordou.










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