sábado, 14 de março de 2015

TODAS AS VEZES QUE MORRI

Quisera eu me aventurar em uma descrição que tratasse única e exclusivamente de vida, num relato farto de conquista sem agrura, ou apostasia de infelicidade.


Quão bom seria tratar da minha história sem encontrar nela os pontos, as reticências e os parênteses sem fim. Digo isso levando a efeito o perplexo censo de realização pessoal que nos move. Ninguém se realiza ao analisar um  declínio, somente Newton ao formular a Lei da Gravidade, talvez.
Mas não só de acertos se constitui uma história, e da mesma forma, não só de erros se constitui um caminho trilhado. A vida é uma longa estratégia.

Trago em minha consciência, todas as minhas falências, acomodadas no mesmo patamar dos meus acertos. Sim, porque não haveria de me envergonhar de todas as situações onde existi. Mas o conceito de existência que abordo aqui me é bastante relativo. Uma vez que minha existência nem sempre precedeu minhas mortes. Em alguns casos, posso dizer que fui morrendo aos poucos.

É claro que a morte que descrevo é uma alegoria representativa de uma angústia. Não morri de fato, pois se assim fosse, isso seria um psicografismo, ao invés de meras doses de angustia.

Até onde recordo, a primeira vez que morri, eu tinha por volta dos sete anos de idade, e estava indo fazer um exame de sangue, acompanhado de minha mãe. Lembro-me de sua recomendação, sobre o meu bom comportamento durante o ato clínico, dizendo-me que a picada da agulha não doeria nada. Doeu, e aos sete anos, aquela picada foi considerada a maior dor da minha vida. Só não doeu mais que a sensação de que minha mãe havia mentido.

Morri por uma mentira.


Avançando um pouco mais, fui descobrindo o sentido das coisas e assim, escolhendo de uma maneira quase coerciva o que era melhor pra mim. Passei a compreender os valores cristãos e a praticá-los, no dia dia. Vi meus amigos, um a um, se distanciarem justamente na fase em que talvez mais precisei, e assim, como alguém que se despe em uma noite de frio, me vi sozinho.

Morri por um valor.

Mas como a morte é um fenômeno que ultrapassa as barreiras que impomos. Passei a morrer por dentro exatamente quando descobri que as ilusões da vida eram na verdade aquilo que pretendiam ser: ilusões. Assim, cheguei a idade adulta, não inteiro mais cheguei. Morri para o mundo e para as coisas que nele há.

Morri por um sistema.


Tão contraditória essa nossa forma de existir. Lá para as tantas, assombrado pelo medo de não ser, ajuntei todas as minhas mortes, e num ato impensado, repudiei a minha vida, entrando na justa forma de alguém que lamenta.

Dei os ombros a moral e fui ser quem não podia. Negociei meus valores com a morte. Foi quando decidi morrer diante da porção que me trazia vida. Fui viver a minha repulsa.

Morri pra mim.


Duro entrave se formou. Como existir a partir de então? O que me restou?
Optei em prosseguir no caminho desconhecido. Viver as próprias vistas; como um cão sem dono.

Dei vazão as pulsões, e pude reviver a maioria das minhas mortes.
O problema se estabeleceu quando descobri que não havia vida em nenhuma delas. Ora, ninguém vive uma morte. Tal intento ainda é uma forma de morrer.

Tudo isso efetivamente mudou quando topei com alguém que venceu a morte.
Ele sim me explicou que o caminho não se finda quando termina, e que a cada insucesso há um grandioso aprendizado.

O vencedor pode então compartilhar dessa vitória, e me fez morrer novamente para o destino que se firmara.

Morri para a morte.


Hoje ainda vivo cercado de mortes, mas afirmo com precisão: Nenhuma delas jamais haverá de me levar a inércia.

Mesmo não chegando inteiro onde estou, carrego em minhas mortes a certeza de que existo sobre todas elas.


Ele me ensinou, e eu o segui. Não sou como Ele é, mas também não sou quem eu era. Domino todas elas.











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